Lembram o bigode do Vicente? Depois o raspou, mas sempre o imagino com o sisudo ornamento. Seu bar não comportava os muitos e sedentos amigos. Ficávamos, na escada do Banco Mercantil, eu e minha cerveja, vendo aquele homem sério por trás do bigode e da registradora.
Da registradora? Nem tanto. Contaram-me que ele guardara dinheiro num invólucro e, nas andanças da vida, ele se perdera. Vicente o achou depois, mas seus “mirréis” de nada valiam. A moeda já era outra. O fato comprova seu desapego ao tilintar de caixas registradoras.
Apesar da gente engraçada que frequentava seu boteco, nunca lhe ouvi uma gargalhada. No máximo, aquele homem atrás do bigode sorria. Mas amava uma boa música. Um dia me falou:
- Fechei o bar e tinha que levar algo para minha esposa. Urgente! Ao passar pelo coreto da Praça Santa Rita, lá estava o “Vocalize” cantando. Sua irmã Sônia, Selminha, Denise, Ângela, Flávia, Valéria e o gostoso violão do Massula. Eles me hipnotizaram e o tempo passou. Em casa, acolheu-me a esculhambação nada melodiosa da indignada patroa.
Doente, exilou-se em casa. Evitava até olhar pela janela. Pra quê? Não veria dali sua fiel galera rindo, bebendo e desconversando besteiras.
Vicente se foi. Eu estava longe. Diz o poeta que o tempo corre contra nós. O minuto que passa nunca é mais, é sempre menos. Desde o instante em que se nasce, assegura, já se começa a morrer. Nossa vida está em contagem regressiva, minha gente. E nada se pode fazer. Logo veremos o Vicente papeando com São José. O Santo Caladinho cofiando a branca barba e o Vicente com o bigodão de que só eu me lembro. A Santa Barba e o Vicentino Bigode sorriem. Riso discreto, claro.
Apreciaremos, por trás de uma nuvem qualquer, o sereno papo entre os dois. Conversa de gente boa e séria.