Luiz Alves
Discreto, falava baixinho e era um goleiraço. Atuou no famoso Juvenil do América, berçário de craques. Do Tostão, por exemplo. Mas falemos do Edson.
Era tão bom goleiro que Biju, técnico do time, buscava-o em seu carro para levá-lo aos treinos e jogos. Uma miopia feroz impediu-o de profissionalizar-se. Na época, nada se podia fazer além de pendurar grossas lentes na cara. E alguém aí já viu goleiro jogar com óculos? Então, abandonou o sonho. Mas viveu uma excelente história que só me contou muitos anos depois. Já avisei que era discreto.
Um dia o time foi convidado a participar de uma comemoração na Penitenciária de Neves. Iam enfrentar uma seleção de detentos. O América já goleava, e o Edson notou que, atrás de seu gol, havia uma fanática galera torcendo por ele. Isso o incentivava a fazer defesas as mais mirabolantes. Mas aos 44 minutos do segundo tempo o juiz arrumou um pênalti. O time local precisava fazer o seu golzinho de honra, poxa! Um dos detentos, um gorila condenado a 120 anos de xadrez e chefão dos presos, subiu no alambrado e berrou para o Edson:
- Menino, eu investi dinheiro grosso apostando que ninguém conseguiria marcar gol em você. Já contava com a grana no bolso quando, no finzinho do jogo, me surge esta merda de pênalti. Veja lá, garoto, não posso perder esse dinheiro! Olha a responsa que está em suas mãos!! Se vire aí, ou você não sai daqui vivo!!!
Edson tremeu. Ergueu os olhos aos céus e pediu, em nome de nossa mãezinha, a rezadeira D. Adélia, que as potestades celestiais o acudissem.
Bola na marca. O batedor de pênalti toma distância quilométrica, escolhe o canto onde enfiar a bola, corre soltando fogo pelas ventas e manda um tremendo petardo. Edson gritou valha-me Deus, fechou os olhos e saltou. Quando deu por si, a bola estava encaixada em seu peito. Coisa lá do Alto. O presidiário chefe da bandidagem invade o campo. Atrás dele, vem uma gritaria de também felizes ganhadores da aposta. Botaram o Edson nos ombros e o carregaram em triunfo, dando uma gloriosa volta olímpica pelo imenso pátio da penitenciária.
Na última Sexta-Feira da Paixão, também carregamos em triunfo o nosso irmão Edson. Atravessamos os portões desse maluco presídio, também conhecido como mundo, e o entregamos a Deus. Livre das miopias de nossa pobre e limitada existência, o Edson entrou no céu, nos ombros de anjos e santos.
E está lá com o Biju. Batendo um bolão, claro.
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